O Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Reformas Econômicas, iniciou, em 19 de janeiro de 2024, uma consulta pública focada na regulamentação econômica e concorrencial das plataformas digitais no Brasil.

A consulta visa coletar opiniões, comentários e sugestões da sociedade até o próximo dia 18 de março, por meio de um formulário online na plataforma Participa + Brasil.

Objetivo e Impacto

O objetivo é avaliar a adequação da legislação de defesa da concorrência atual e considerar a necessidade de novas regulamentações ou adaptações, abordando questões como o desenho regulatório preventivo e a conexão do Brasil com o contexto regulatório internacional.

A iniciativa destaca a importância do debate técnico sobre como as plataformas digitais operam e seu impacto econômico e concorrencial.

O Ministério da Fazenda argumenta que é necessário entender melhor como garantir uma competição justa, protegendo consumidores de práticas abusivas, sem frear a natureza inovadora dos mercados digitais e da tecnologia, e enfatiza a importância da participação pública para criar uma abordagem equilibrada.

Espera-se, assim, que com as contribuições recebidas, o ente público permita ao mercado espaço para moldar as futuras políticas públicas e regulamentações, garantindo um ambiente econômico mais equilibrado e concorrencial saudável.

Todos os interessados são incentivados a acessar o formulário na plataforma Participa + Brasil e contribuir com suas perspectivas e experiências. A participação ativa é fundamental para garantir que o debate seja inclusivo e reflita as necessidades e desafios do setor digital, alinhando o Brasil com as discussões globais sobre a regulação de plataformas digitais.

Validação das Propostas e Efetividade da Consulta Pública

Após a conclusão da consulta pública nas próximas semanas, é importante que o Ministério da Fazenda organize uma nova fase de interação com o mercado, onde as propostas finais, já incorporando as contribuições da consulta, sejam apresentadas para apreciação, antes da finalização do texto que será enviado ao Congresso Nacional, como demonstração de um esforço genuíno em incorporar a voz do mercado no processo.

Cuidados Necessários

Considerando a importância da manutenção da independência das plataformas digitais e a prevenção de qualquer forma de censura, é crucial que a consulta pública e as eventuais novas regulações propostas pelo Ministério da Fazenda sejam formuladas com cautela e transparência. Para evitar a instrumentalização política da regulação, é essencial estabelecer critérios claros e objetivos na legislação, com definições precisas e procedimentos transparentes.

Questionamentos da Consulta Pública Relevantes

Propomos a seguir algumas reflexões sobre parte dos questionamentos da consulta pública disponibilizada na plataforma Participa + Brasil.

A lista completa de questionamentos pode ser visualizada aqui.

1. Que razões econômicas e concorrenciais justificariam a regulação de plataformas digitais no Brasil? Há razões distintas para regular ou deixar de regular diferentes tipos de plataformas?

Regulações devem ser focadas em garantir a livre concorrência e evitar abusos de posição dominante, sem restringir a inovação. Diferentes tipos de plataformas podem exigir abordagens regulatórias distintas, refletindo suas especificidades.

Dependendo da função econômica e do impacto de cada tipo de plataforma, regulações diferenciadas podem ser justificáveis para promover a concorrência e inovação de forma equilibrada.

2. O arcabouço legal e institucional existente para defesa da concorrência — notadamente a Lei nº 12.529/2011 — é suficiente para lidar com as dinâmicas relacionadas às plataformas digitais? Há problemas concorrenciais e de natureza econômica que não são abordados de forma satisfatória pela legislação atual? Que aperfeiçoamentos seriam desejáveis ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) para lidar de maneira mais efetiva com as plataformas digitais?

A Lei nº 12.529/2011 fornece uma base sólida, mas pode ser aprimorada para abordar especificidades das plataformas digitais, como o uso de dados e efeitos de rede, fortalecendo o SBDC.

3. A Lei nº 12.529/2011 estabelece, no §2º do artigo 36 que: “Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.” As definições da Lei 12.529/2011 relacionadas ao poder de mercado e ao abuso de posição dominante são suficientes e adequadas, da forma como são aplicadas, para identificar poder de mercado de plataformas digitais? Se não, quais as limitações?

As definições de poder de mercado e abuso de posição dominante podem precisar de atualização para capturar adequadamente a dinâmica das plataformas digitais, considerando critérios além da participação de mercado.

Para tornar a análise de atos de concentração mais eficaz em detectar potenciais danos à concorrência em mercados digitais, pode ser necessário adaptar os parâmetros de submissão e análise. Isso pode incluir mecanismos para revisão de aquisições menores que possam ter impacto significativo na concorrência, além de considerar o papel dos dados e outros fatores específicos dos mercados digitais na análise.

4. O Brasil deveria adotar regras específicas de caráter preventivo (caráter ex ante) para lidar com as plataformas digitais, visando evitar condutas nocivas à concorrência ou a consumidores? A lei de defesa da concorrência — com ou sem alterações para lidar especificamente com mercados digitais — seria suficiente para identificar e remediar problemas concorrenciais efetivamente, após a ocorrência de condutas anticompetitivas (modelo ex post) ou pela análise de atos de concentração?

4.1. Qual a combinação possível dessas duas técnicas regulatórias (ex ante e ex post) para o caso das plataformas digitais? Qual abordagem seria recomendável para o contexto brasileiro, considerando ainda os diferentes graus de flexibilidade necessários para identificar de forma adequada os agentes econômicos que devem ser foco de eventual ação regulatória e das obrigações correspondentes?

Uma combinação de abordagens regulatórias ex ante (preventivas) e ex post (corretivas) pode ser mais eficaz para lidar com as plataformas digitais. Medidas ex ante podem ser utilizadas para estabelecer regras claras e prevenir condutas anticompetitivas, enquanto a aplicação ex post pode tratar violações específicas e adaptar-se às mudanças do mercado.

5. Jurisdições que adotaram ou estão considerando a adoção de modelos de regulação pró-competitivos — como as novas regras da União Europeia, a legislação japonesa e a proposta regulatória do Reino Unido, entre outras — optaram por um modelo assimétrico de regulação, diferenciando o impacto das plataformas digitais a partir de seu segmento de atuação e em função de seu porte, como é o caso dos gatekeepers no DMA europeu.

5.1. Uma legislação brasileira que introduzisse parâmetros para a regulação econômica de plataformas digitais deveria ser simétrica, abrangendo todos os agentes deste mercado ou, ao contrário, assimétrica, estabelecendo obrigações apenas para alguns agentes econômicos?

A adoção de uma regulação assimétrica, focando em plataformas com maior impacto no mercado (gatekeepers), pode promover a concorrência sem sobrecarregar indevidamente empresas menores. Isso reconhece a diversidade e a variedade de papéis e impactos das diferentes plataformas no ecossistema digital.

Para diferenciar entre os agentes econômicos que devem ser regulados, critérios quantitativos (como participação de mercado e controle de dados) e qualitativos (como posição estratégica no ecossistema digital) podem ser utilizados. Isso ajudaria a identificar os atores cujas práticas têm maior potencial para impactar a concorrência e a inovação.

Os critérios deveriam ser desenhados para reconhecer plataformas que, devido ao seu tamanho, controle de dados ou posição estratégica, possuem capacidade significativa de influenciar mercados e comportamentos de consumidores. Isso facilitaria a aplicação focada de obrigações regulatórias, promovendo um ambiente de mercado saudável.

6. É necessário haver um regulador específico para supervisão e regulação de grandes plataformas digitais no Brasil, considerando-se apenas a dimensão econômico-concorrencial? Em caso afirmativo, seria adequado criar um órgão regulador específico ou atribuir novas competências a órgãos já existentes? Quais mecanismos de coordenação institucional seriam necessários, tanto em um cenário envolvendo órgãos e instituições existentes, quanto na hipótese de criação de um novo regulador?

Considerando a complexidade e a especificidade das questões concorrenciais em plataformas digitais, a designação de competências específicas a órgãos já existentes pode ser benéfica.

A melhor abordagem pode ser fortalecer órgãos já existentes com novas competências e recursos, garantindo que tenham expertise e capacidade para abordar as questões específicas das plataformas digitais. Mecanismos de coordenação entre diferentes órgãos reguladores podem ser essenciais para evitar sobreposições e lacunas na regulação e supervisão.

05/03/24